O último?

Já do lado de fora, fechei a porta de correr da varanda e logo senti a brisa suave do Outono. 
Aconcheguei o casaco, pousei os olhos na planície prateada e respirei fundo. 
Procurei com as mãos o pesado cinzeiro de vidro e acendi mais um cigarro com o isqueiro emprestado.
Que bem me sabiam estes demorados cigarros depois da casa estar mergulhada num pesado torpor noturno. 

Por segundos observei a escuridão, pausadamente tragando o fumo: pensava na rotina, nos projetos a curto prazo, nos outros menos curtos...

De repente estalou-me uma música de embalar - como qualquer música de embalar esta também cíclica e repetitiva - e não consegui parar de a trautear. 

Por entre o fumo do tabaco, o meu corpo entrou num estado de vazio tamanho que senti a minha pele arrepiar-se em pequenas gotas de suor, o meu estômago contraiu-se e tive que me sentar para não desmaiar, os meus lábios pronunciavam sem parar o raio da música diabólica para dormir, e vi o meu corpo sair dele próprio, flutuando. Estava ansiosa que o cigarro acabasse, mas não o conseguia apagar. 

O corpo tremia-me.
A cabeça doía-me. 
Finalmente chegamos ao fim. O cigarro e eu, sem forças.

Despedi-me fazendo uma jura informal para "nunca mais!" sem qualquer pingo de alegria, pois era a minha companhia de muitas solitárias noites de Outono. Sacudi a cinza dos punhos do casaco e voltei para dentro.



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