Peoplewatching

Enquanto escrevo isto, estou na fila de uma repartição pública, numa sala de espera pequena apinhada  de gente.
Vejo vários encolher de ombros, sem vontade. Alguns olhares perdidos de desânimo, outros perdidos em jogos de telemóvel.
Unhas impecavelmente bem pintadas que não condizem com os cabelos sujos amarrados sem rigor. Bebés constipados ao colo de mães cansadas, de fato de treino largo.
Um entra e sai constante de passos arrastados ou ansiosos. Entre requerimentos e envelopes, ninguém tem as mãos vazias ou desocupadas.

A porta dos gabinetes abre e sai uma mulher com um rolo de papel higiénico na mão, entregando a outra na porta do wc, justificando "- sabe, tem de ser assim, eles roubam o papel..."
A intimidade nas conversas que eu não quero ter, de pessoas que eu nunca vi.
A desgraça de quem conta, a (falta de) paciência do desgraçado que ouve.

Olho para o painel e para o meu papel. Quase 2 horas depois ainda faltam 10 números. suspiro.

Queixas várias: dos subsídios e do quão pequenos eles são, da dor dos dentes arrancados anteontem, do tempo de espera, do tempo que não aquece lá fora. Encontros de ocasião, apertos de mãos que não se apertam há anos, conhecimentos de fila de espera, assuntos descartáveis.

E como é terrível este Portugal (pouco) profundo. Como é terrível o desacreditar num país que também é o meu, que é também o de quem está à minha volta. Onde e porque é que continuamos a falhar?

E ao fim de quase 2 horas começo a sentir-me mais um elemento, que se encaixa na perfeição nesta tribo que habita uma sala de espera.


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